Carlos Drummond — publicado
31/10/2016 05h36, última modificação 31/10/2016 17h13
Jejuna em economia, a República
de Curitiba, junto de privatizações, desnacionalizações e austeridade, arrasam
empreiteiras, a Petrobras e o País
Fabio Rodrigues Pezzebom/ ABR

Ao contrário dos países
avançados, o Brasil não se preocupa em preservar suas poucas empresas líderes
mundiais, a exemplo da Petrobras e das grandes empreiteiras
Não bastassem a recessão
brasileira, a crise mundial, a privatização e a desnacionalização impulsionadas
pelo ministro das Relações Exteriores, José Serra, e pelo presidente da
Petrobras, Pedro Parente, e ainda a austeridade mais longa do mundo da PEC 241,
chancelada pelo presidente Michel Temer, o ministro da Fazenda Henrique
Meirelles e a maioria da Câmara, o País sofrerá por mais um ano os prejuízos da
desarticulação da sua principal cadeia produtiva, a de óleo e gás. O motivo é a
recente prorrogação, pelo Conselho Superior do Ministério Público Federal, da
Lava Jato do juiz Sergio Moro e do MPF, até setembro de 2017.
Dois anos e sete meses depois do
desencadeamento da operação, só quatro das 16 empreiteiras envolvidas em
corrupção − Toyo-Setal, UTC, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez −, todas
grandes fornecedoras da Petrobras, firmaram acordos de leniência e podem
retomar os negócios sem restrições. Impedida há dois anos de fazer contratos
com o setor público e com seu presidente preso por duas vezes, a Andrade
Gutierrez simboliza a situação dramática do setor: foi obrigada a se desfazer
de alguns dos seus ativos mais valiosos e poderá ser vendida a uma construtora
chinesa.
“A quantidade de acordos de
leniência é muito pequena e eles demoram demais. São tantas as dúvidas e a
insegurança jurídica é tamanha que não há uma aplicação significativa desse
instrumento”, chama atenção o advogado Rafael Valim, presidente do Instituto
Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura e sócio da Marinho &
Valim Advogados.
“Se eu fosse advogado, nunca
faria um acordo de leniência. A participação do Ministério Público e do
Tribunal de Contas da União dá mais garantias, mas ao mesmo tempo complica
tanto, as exigências passam a ser tão grandes que acabam prejudicando qualquer
acordo”, diagnostica o ministro Gilson Dipp, aposentado do Superior Tribunal de
Justiça.
O acordo de leniência deveria
atender a dois objetivos fundamentais: 1. constituir um instrumento de coleta
de provas por meio da concessão de benefícios à empresa que colaborar na
comprovação dos fatos apontados no processo; e 2. preservar os seus ativos. A
lei anticorrupção manda celebrá-lo entre a empresa e a autoridade pública
lesada, maior conhecedora da extensão dos danos provocados pela corrupção. Na
prática, ele é firmado entre a empreiteira e o MPF e homologado por um juiz.
(Thelma Vidales/ Contraste Imagens e José Cruz/ ABR)

O projeto aprovado de Serra, de
retirar a exclusividade da Petrobras no pré-sal, e a venda de ativos da empresa
por Pedro Parente: retrocessos sem precedentes
As lacunas da lei quanto à
participação de vários entes públicos e a pluralidade das esferas de
responsabilidade abrem espaço para superposições e disputas. O TCU, a CGU, o MP
e um juiz podem decidir, por exemplo, a temida proibição de contratar com o
poder público. Nos contratos de estados e municípios com aporte de recursos da
União, pairam dúvidas sobre qual entidade federativa poderia celebrar o acordo.
O acordo de leniência entre MPF e
Andrade Gutierrez ilustra as dificuldades. A legislação prevê a
responsabilização administrativa e cível de pessoas jurídicas por crimes contra
a administração pública, mas não abrange dirigentes e administradores, que
continuariam sujeitos a condenações criminais depois da celebração do pacto. No
seu despacho, o juiz Sergio Moro diz ser “aplicável por analogia” um
dispositivo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que extingue
a punição também para pessoas físicas.
A insegurança jurídica é uma das
causas da rarefação dos acordos. Outra é a visão imperante de punir também as
empresas, como se dotadas fossem de iniciativa e intenções, à semelhança dos
seus acionistas e executivos. É o oposto do que ocorre na Europa e nos Estados
Unidos, onde o instituto do self cleaning prende ou afasta os executivos,
aplica multas, exige programas rigorosos de combate às práticas propiciadoras
da corrupção e devolve as empresas o mais rápido possível ao mercado público e
privado.
Os exemplos são abundantes nos
casos de improbidade entre os maiores fornecedores do governo. Os contratos da
GE com o Pentágono, suspensos em 1992, foram retomados cinco dias depois
mediante a apresentação de um sistema de vigilância interna para evitar novas
fraudes, noticiou o Los Angeles Times. É bom repetir: cinco dias.
A IBM retomou os contratos com o
governo oito dias após a interdição determinada em 2008, destacou o Public
Contract Law Journal. A suspensão da contratação da Boeing pelo setor público,
em 2003, foi levantada um mês mais tarde devido à “forte necessidade no interesse
do país”, justificou o subsecretário da Força Aérea, Peter B. Teets.
André Araújo, ex-empresário e
advogado de empresas dos Estados Unidos, acrescenta exemplos. A construtora
Halliburton foi multada em 110 milhões de dólares, quantia irrisória para uma
empresa que vale entre 40 bilhões de dólares e 50 bilhões, e o principal
executivo foi preso por dois anos e meio. No caso da Lockheed, que pagou 1,5
bilhão de dólares em comissões para vender aviões militares a mais de 20
países, na década de 1970, o governo exigiu a troca do presidente da empresa e
aplicou uma multa de 24,8 milhões de dólares.
Na Europa, ocorre o mesmo. “Na
Volkswagen alemã, houve escândalos enormes de distribuição de propina,
inclusive com envolvimento do governador de Baden-Württemberg. A fabricante de
aviões e helicópteros Messerschmitt-Bölkow-Blohm também está envolvida em
distribuição de propina. Os ministros e outras autoridades implicados caem, mas
a empresa não é destruída. Ninguém vai acabar com empresas como essas por causa
da corrupção”, exemplifica o procurador do MPF e ex-ministro da Justiça Eugênio
Aragão.
“Aqui no Brasil, entregamos os
nossos ativos com uma facilidade impressionante. Isso ocorre, principalmente,
porque essa garotada do Ministério Público não tem a mínima noção de economia.
Não sabem como isso funciona.”
Uma situação de risco imensurável
para o País. Aqui, há 2,2 mil procuradores federais concursados, com
estabilidade na função, dos quais não se exige nenhuma experiência anterior em
negócios e economia. “Nos EUA, há 93 procuradores federais nomeados pelo
presidente da República, com mandato de quatro anos. São pessoas bem
relacionadas, experientes na área empresarial e com excelente formação, todos
provenientes de grandes universidades como Harvard e Yale”, diz Cynthia
Catlett, diretora da divisão de Consultoria Técnica e Investigativa em Apoio a
Litígios da FTI Consulting no Brasil.
O desconhecimento atestado por
Aragão tem poder destrutivo proporcional à liberdade de ação de procuradores e
juízes. “Esse aumento da autonomia dos juízes e do Ministério Público está
levando a uma insegurança jurídica generalizada. O Judiciário tomou gosto de
sangue com a Lava Jato. Cada juiz hoje se julga rei”, resume Araújo.
O Brasil pagará por gerações
pelos erros cometidos. “A Lava Jato se gaba de ter devolvido ao País 2 bilhões
de reais. E quantos bilhões a gente gastou para isso? Do ponto de vista
econômico, essa conta não fecha”, contabiliza Aragão. A maioria das
consultorias que calcularam o prejuízo provocado à economia pela operação
estimou-o em cerca de 120 bilhões de reais.

A Lava Jato de Moro inviabiliza
as empresas, ao contrário da prática da Europa e EUA. O ajuste fiscal de 20
anos de Meirelles não tem precedente e está na contramão do mundo
O dano deve aumentar. Cerca de 31
bilhões de reais em projetos aprovados de aeroportos, rodovias e mobilidade
urbana, com capacidade de gerar 900 mil empregos, segundo cálculo desta
revista, estão parados porque o financiamento com o BNDES contratado com as
vencedoras das licitações, todas envolvidas na Lava Jato, não sai.
Na terça-feira 11, o BNDES
anunciou a suspensão de pagamentos e a revisão de 47 contratos de exportação de
serviços de engenharia de empreiteiras implicadas na operação, no valor de 13,5
bilhões de reais. Receia-se no setor que, por meio de relicitações, as
empreiteiras nacionais serão afastadas em definitivo dos financiamentos de
longo prazo do banco, imprescindíveis às grandes obras públicas, e substituídas
por construtoras estrangeiras.
A troca talvez não seja tão fácil
quanto alguns presumem. “Empresas estrangeiras não virão ao Brasil de uma hora
para outra antes de saber como fica a segurança jurídica e sob que condições
vão trabalhar. Nós podemos permanecer cinco ou dez anos sem ter quem faça a
nossa infraestrutura. Como é que fica?”, questiona Aragão.
“A punição tem de ser
consequencialista, pragmática, precisa resolver o problema e ser
pedagogicamente positiva. Ninguém pode ser contrário ao combate à corrupção e à
punição dos culpados, mas não se pode fazer isso destruindo o capitalismo no
Brasil. Porque ao inviabilizar a empresa, acaba-se com o emprego, a renda, o
progresso e a dignidade das pessoas”, alerta o advogado Walfrido Jorge Warde
Júnior, da Lehmann, Warde & Monteiro de Castro Advogados. É o que a Lava
Jato está descontroladamente fazendo.
*Reportagem publicada
originalmente na edição 923 de CartaCapital, com o título "Destruição a
Jato". Assine CartaCapital.